quarta-feira, 6 de maio de 2009

O Lado Branco da História Africana no Continente Americano

O outro lado da história



Thomas Sastre

Será que a Lei Áurea foi uma consagração jurídica de uma situação de fato ou serviu para esconder o maior genocídio da humanidade. Ainda que com constrangedora brevidade, há muitos modos de se narrar a história daqueles milhões de homens e mulheres africanos, que a brutalidade do escravismo arrebatou para a América, no caso, do Brasil.
Jamais se chegará a um padrão de exatidão, mas se calcula que 5 milhões de escravos foram trazidos para o Brasil. Esta cifra aterradora, refere-se também à mortes ocorridas a partir do momento em que populações inteiras eram reduzidas ao cativeiro. Transportados para o Brasil nos navios negreiros, os primeiros e verdadeiros “campos de concentração flutuantes” inventados pelos Portugueses e Espanhóis.

Genocídio

Mais de 50 milhões de pessoas foram feitas escravas e sistematicamente assassinadas nos últimos cem anos. De 1915 a 1923, os turcos otomanos mataram 2 milhões de armênios. Os nazistas liquidaram 6 milhões de judeus e 3 milhões de prisioneiros soviéticos. Mao Tsé-Tung mandou matar 30 milhões de chineses. O governo soviético através de seu dirigente Stalin, assassinou 20 milhões de seus próprios cidadãos. Nos anos 70, o Khmer Vermelho, matou 2 milhões de cambojanos. Considerando-se apenas números, estes fatos fazem do século XX, o período mais sangrento da história humana.
O que significa genocídio ?
O historiador Raphael Lemkin, de origem polonesa, em 1944 inventou o termo “genocídio”, derivado da palavra grega “genos”, que significa tribo ou família e “cide”, raiz latina que quer dizer matar. Hoje toda a sociedade condena no mundo através da ONU , estes crimes considerados destruição deliberada de um grupo racial, étnico e religioso, mas esquecem de citar que o ocorrido no Continente Africano.

Os maiores crimes cometidos pela humanidade

Desembarcando em portos legais ou clandestinos que serviam de base e entrepostos, com o aval da igreja católica, os navios negreiros circulavam no vasto litoral brasileiro. Colocados em quarentena e maquiados eram vendidos nos mercados. Três fases marcaram a trajetória da escravidão africana no Brasil. A primeira delas estende-se do início da colonização até o século XVII. Período em que se estruturava no país a plantação açucareira. Uma segunda etapa, vai do século XVII até 1791. Caracteriza-se pelo surto da exploração das minas de ouro e diamantes O último período, que já tinha atingido seu ponto máximo: 3 milhões de indivíduos, vai de 1791 até 1888, período que foi marcado pela expansão da economia cafeeira.
As elevadas taxas de mortalidade em diferentes momentos da história do tráfico, deviam-se à violência e brutalidade exercida por ocasião da captura, à desnutrição provocada por uma alimentação deficiente, aos castigos corporais, aos abortos e altíssima mortalidade infantil, à epidemias, suicídios e assassinatos praticados por tentativa de fuga; E certamente também ao abalo psicológico, à desestruturação pessoal causada pela separação dos pais, filhos, linhagem, habitantes de uma mesma aldeia, tensões provocadas pelo convívio forçado com africanos de outros grupos étnicos, muitas vezes apartados por inimizades ancestrais.
Havia uma política deliberada de misturar indivíduos das mais variadas procedências, com o intuito de evitar qualquer coesão grupal e assim minimizar os perigos da insubordinação e da revolta. A escravidão a todos procurava dessocializar, despersonalizar de todo. Tentava destruir a identidade, as funções e os papéis sociais, reduzindo cada indivíduo a um denominador comum: ele se tornava simplesmente escravo.

Marcas de escravo Os proprietários e os consignatários mandavam aplicar com ferro em brasa seu monograma ou outras marcas nas coxas, no peito, nos braços ou nas costas dos escravos. Estas marcas de sujeição e aviltamento se referiam a profissionais especializados e eram feitas nos portos de embarque do litoral africano. Com isso, cumpria-se a exigência da coroa portuguesa de trazer os escravos no corpo, o atestado do pagamento dos direitos de importação. Aos monogramas, acrescentava-se uma pequena cruz no peito, pela aplicação de ferro incandescente, que designava cristamente os que recebiam na África antes de viajarem para o Brasil, o sacramento do batismo.
A igreja passava a dar sua contribuição ao processo de fragmentação do escravo, procurando eliminar suas práticas religiosas, vista como “fetichistas” substituindo-as pelo culto católico.

O Catolicismo Tornar-se cristão, expressar-se na língua do Senhor, saber rezar ao Deus dos cristãos e executar um trabalho útil : eis o triplo aprendizado a que deveu submeter-se o escravo. A igreja apoiava a sociedade escravista para ensinar a resignação e a submissão à ordem estabelecida. Ela apregoava aos escravos, que a felicidade no céu só podia ser alcançada, talvez, após uma vida de privações castigos e punições.

Onde foram parar os negros da Argentina ? O comércio negreiro na Argentina durou entre o século XV e XIX. A abolição foi em 1853. Num censo de 1778, a população negra chegava a 54% em algumas regiões argentinas. Em 1887 cai para 18%. A dizimação está ligada à guerra dos espanhóis com os ingleses, no fim do século XVIII. Nelas morreu uma boa parte dos negros engajados como soldados. Mais tarde no processo de independência, em 1816, foram formadas companhias apenas de negros conhecidas como os “Batalhões dos Libertos”. Com as promessas de liberdade eles ocuparam as posições mais perigosas e morreram quase todos. Outro motivo para o sumiço foi uma epidemia de febre amarela em 1871. Os negros libertos, vivendo em condições de extrema miséria em guetos, foram os mais afetados. Com medo da epidemia se alastrar entre os brancos, foram impedidos de sair dos bairros em que habitavam. Negada a assistência médica e confinados, morreram todos.
Além da dizimação na prática, a Argentina organizou uma na teoria, registrando todos os descendentes de escravos como brancos. O processo ficou conhecido como “Política de Branqueamento” e foi praticado no início do século XIX. Para o governo argentino, o desenvolvimento e o progresso do país estava atrelado à cor da pele da população. Muitas mulheres negras, com a ausência de homens da mesma etnia, casaram-se e tiveram filhos com brancos, inclusive com imigrantes europeus, que começaram a desembarcar no país na metade do século XIX. Seus filhos, embora tivessem traços negros comprovados, eram registrados como brancos. As estatísticas assim, acabaram registrando um sumiço repentino de toda a população negra da Argentina.
Dizem os historiadores: todo argentino que não seja descendente de indígena tem um traço de sangue negro, mesmo em pequenas proporções.
O ritmo que traduz a alma argentina conhecido como ritmo tango deriva de um ritmo africano conhecido no cais do porto de Buenos Aires, como tangana. Um dos primeiros conjuntos primitivos a tocar tango, no fim do século XIX, foi sem dúvida alguma a formada por um negro chamado Casimiro Alcorta ao violino e um mulato de nome Sinforoso no clarinete. Esse ritmo passou a ser sofisticado através da orquestração e conhecido no mundo inteiro.

Uma cultura milenar Há diversas línguas e religiões diferenciadas, por exemplo: povos islamizados como os Haussas, os Mandingas, os Fulas e os Tapas eram misturados com os Bantús e com a população sudanesa de fala Iorubá e Fon, procedente da Nigéria, de Benin e Togo. Sua religiosidade se expressava na adoração aos orixás e voduns, vistos como forças da Natureza, divinizados por deuses tão ricos em cultura e sabedoria como os deuses da Mitologia Grega.
Escultores de grande valor artístico, de suas oficinas saiam adornos em ouro, marfim, coral, búzios, couro, ferro e bronze, produções de altíssimo valor estético. O ocidente só soube reconhecer e valorizar esta arte, depois que os artistas cubistas por ela se interessaram.

É declarada extinta a escravidão no Brasil Se fizermos um estudo da história dos povos americanos, verificamos que foi o Brasil, o último país a dar a liberdade aos escravos. Em alguns paises latino-americanos a abolição estava diretamente ligada à própria noção de liberdade civil pois não havia grandes interesses materiais na escravidão. Eram paises de agricultura incipiente cuja riqueza não dependia essencialmente do trabalho escravo. O Brasil e os Estados Unidos se encontravam em oposição àqueles, pois ao se tornarem independentes sua riqueza repousava na mão de obra escrava. O problema norte-americano foi resolvido de forma abrupta e violenta. Condições naturais e econômicas reagiram poderosamente sobre o meio social norte-americano. Elas vieram a determinar a Guerra de Secessão e a precipitar a abolição da escravatura nos Estados Unidos. Antes de acabar com a escravidão, o Brasil procurou acabar com os escravocratas, dando início a um movimento geral de opiniões. Espalhou-se através dos órgãos de comunicação da época: imprensa, parlamento, clubes, políticos, igrejas, escolas e até mesmo no seio das famílias, uma propaganda para que os senhores de escravos espontaneamente desistissem de seus direitos legais sobre os cativos.
A partir de 1879, o problema da libertação dos escravos apaixonava a opinião pública. De Norte a Sul do país, começaram as inúmeras alforrias voluntárias. O presidente do Ceará Sátiro Dias em março de 1884, extingue a escravatura naquela província. A seguir, em 10 de julho, Teodulo Souto, presidente do Amazonas, imita seu gesto. No Rio Grande do Sul, em 18 de setembro, em comemoração à rendição de Estigarribia, em 1865, são alforriados todos os escravos do município de São Borja, Uruguaiana, Conceição de Arroio e Viamão. Em 16 de outubro é a vez da cidade de Pelotas que de uma vez, liberta cinco mil escravos. Em 28 de setembro de 1885, um projeto conhecido como Dantas Saraiva é aprovado pelo gabinete chefiado pelo Barão de Cotegipe que assina o Decreto de número 3.270, concedendo a liberdade aos escravos de mais de 70 anos. Mais uma vez o gabinete conservador ampliava o caminho para a abolição. A agitação abolicionista se infiltrava nos meios eleitorais até atingir a maioria parlamentar. Nessa ocasião o jornal O País, publica uma correspondência de Joaquim Nabuco, em que ele relata uma palestra que tivera com o Papa Leão XIII. Impressionado com o que lera, João Alfredo, determina que o ministro da agricultura Rodrigo Silva apresente na seção de 8 de maio o seguinte projeto:

Art. 1º – É declarada extinta a escravidão no Brasil.
Art. 2º – Revogam-se as disposições em contrário.

Joaquim Nabuco requer então que seja designada uma comissão para estudar o projeto, que é remetido ao Senado no dia 11 de maio. No dia 13 de maio, a Princesa Isabel converte em Lei o projeto, que é aprovado com 83 votos contra 9 e no palácio da cidade é sancionada a Lei Áurea. Era a consagração jurídica de uma situação de fato.

O inoportuno pedido de perdão do Presidente Lula

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em recente viagem à África, pediu perdão em nome do Brasil, pelo genocídio cometido com os negros.
Quem tem que pedir perdão, se é que um dia serão perdoados, são os portugueses e os espanhóis. O que o presidente tem que fazer em vez de buscar o perdão é cultivar a cultura da democracia. Afinal de contas o Brasil tem 75% da população com sangue africano.
Quando os governantes se referem ao Museu do Negro, tem que se pensar numa casa na qual se cultive a democracia , a tolerância, a invenção e o conhecimento, a reflexão e a mudança, pois existem culturas a combater: a cultura do medo, da indiferença, da violência, do racismo, a cultura da discriminação racial, social, etária, sexual, a cultura de qualquer preconceito. Todas estas culturas devem ser combatidas e abolidas com a ciência, com a arte, com a religião, com técnicas de fazer cinema, vídeo, poesia, música, literatura, artesanato e a indústria cultural, com a comunicação oral e com tudo o que faz valer a diferença.
No Brasil são 180 milhões de falantes da língua portuguesa. Português que alguns preferem chamar de Brasileiro, uma língua flexível, ágil, que tem liberdade em relação da língua falada em Portugal, que há 500 anos se enriquece à luz dos trópicos. È nessa língua que se forma uma literatura ao mesmo tempo singular e plural, reconhecida em todo o mundo através de nobres representantes negros.

“ A verdadeira, a suprema força d’arte está em caminhar firme, resoluto, inabalável, sereno através de toda a perturbação e confusão ambiente, isolado no mundo mental criado, assinalando com intensidade e eloqüência. O mistério, a predestinação do temperamento.”
O emparedado Cruz e Sousa
Gênios Negros da Literatura

Mastros, procelas, condores, grilhões, uma poesia adolescente ardente de indignação. È febre. Castro Alves chicoteia a mancha vergonhosa da escravidão. O povo o amou.
O poeta Cruz e Souza, em seu livro Missão, é o mal estar do fim do século. Sim, havia que sentisse este mal estar no Brasil.
E veio Machado de Assis, a maturidade da literatura continental em plena cidade insalubre do Rio de Janeiro. Perverso, letal e inesperado como todos os gênios escrevendo sobre imbecis.
O negrinho era malcriado, bebia demais e se metia a escrever sobre generais e presidentes. Não perdoava ninguém. Esse era Lima Barreto, que fez o romance brasileiro entrar no século XX.
Euclides da Cunha, o mulato que entrelaçou sua literatura à própria vida na tragédia brasileira.Viu a gentinha humilde ser massacrada na terra seca do Nordeste e na terra úmida do extremo Norte.
Essa escrita em terras brasileiras, foi herança dos colonizadores que traziam sua língua e sua cultura conhecida como “a cruz e a espada”.
Em qualquer tempo em que surja qualquer fusão musical-cultural, qualquer som que venha a ser no futuro, haverá nele uma blue note, um tango, um jazz, um samba, um mambo, uma salsa. Estes ritmos marcaram a grande aventura musical que se iniciou no dia em que o negro pisou nas terras da América.
De acordo com J.C.Capinam, poeta e historiador, os verdadeiros representantes da cultura brasileira, são os vencedores sobreviventes dos campos de concentração flutuantes dos navios negreiros e os índios, que lutaram para que a cultura brasileira não resultasse apenas de uma imposição européia, de uma única contribuição, mas sim de uma grande mescla, tornando a cultura brasileira a diversidade mais bem sucedida do planeta.

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